Divino Leitão (1957–2025): um dos pioneiros dos jogos brasileiros

No dia 13 de abril de 2025, perdemos uma figura importante da história dos videogames brasileiros: Divino Carlos Rodrigues Leitão, mais conhecido por seus amigos e colegas como Divino Leitão. Para quem cresceu jogando, desenvolvendo ou apenas sonhando com jogos criados em território nacional, Divino foi — e continuará sendo — um nome forte.

Ele foi um dos primeiros a trilhar esse caminho ainda nos anos 1980, em tempos de computadores domésticos rudimentares, programação na unha e gravações em fita cassete. Seu jogo mais conhecido, Cavernas de Marte, lançado em 1985, é até hoje lembrado com carinho por colecionadores, pesquisadores e apaixonados por história dos games.

Divino costumava contar que seu interesse por arte e design visual surgiu ainda jovem, numa época em




		Cavernas de Marte (1985), criação de Divino Leitão

que nem se falava em gráficos digitais nos computadores. Mesmo sem ter um microcomputador em casa, e sem qualquer formação técnica formal na área, ele começou a imaginar e desenvolver jogos de forma autodidata. A principal fonte de estudo? A revista Micro Sistemas, que ele lia de forma quase compulsiva.

Com base nesse esforço pessoal, e uma dose generosa de criatividade e intuição, Divino deu vida ao seu primeiro grande projeto: Cavernas de Marte, um jogo inspirado nas obras de Isaac Asimov, seu autor preferido.

“Fiz o jogo e, como tinha que levar para algum lugar, [levei à livraria] Ciência Moderna, [que] era o point, na verdade era o único lugar que tinha [a comercialização de fitas cassete com gravações de games].”

Esse relato foi dado por Divino em uma entrevista ao podcast Oldplayers, em maio de 2020 — uma das últimas vezes em que compartilhou, com entusiasmo e bom humor, suas histórias do início da indústria de jogos no Brasil.

Naquele mesmo momento histórico, sua obra acabou nas mãos de José Eduardo Neves, fundador da software house Ciberne, uma das mais importantes da época. Neves enxergou ali um produto de verdade, e não apenas uma curiosidade de entusiasta.

“O que você acha da gente colocar o seu jogo numa fita [cassete], produzir e vender?”

E assim, da informalidade da criação caseira para a distribuição comercial, nasceu um dos primeiros produtos de entretenimento eletrônico genuinamente brasileiros.


Caricatura de Divino Leitão. Fonte: instagram

Uma vida entre jogos e educação

Divino nunca abandonou os jogos — nem como criador, nem como educador. Trabalhou com projetos digitais, analógicos e híbridos, sempre explorando a intersecção entre lógica, estratégia, diversão e aprendizado.

Um exemplo marcante desse espírito criativo foi o Cartabol, jogo de cartas lançado em 2014, por ocasião da Copa do Mundo. Misturando mecânicas de jogos clássicos como dominó, jo-ken-po e jogo da velha, com a temática do futebol, Divino concebeu uma dinâmica única.

“Apesar de tantas referências, o Cartabol é extremamente simples, mas esta simplicidade é apenas aparente. Se você gosta de usar o raciocínio lógico e estratégia, irá se surpreender com as possibilidades.”

A declaração foi feita em conversa com o pesquisador e escritor Kao Tokio, que hoje trabalha na produção de um livro sobre o design de jogos no Brasil, ao lado de Renato Degiovani. Um dos capítulos será inteiramente dedicado à criação de Cavernas de Marte.

Outros projetos se seguiram nos anos mais recentes, como o jogo Taipan 1122, lançado em 2022. Nem todos foram concluídos, mas todos carregavam a marca do entusiasmo genuíno e da inquietação criativa que definiam Divino.

Revista Microsistemas - uma paixão

Como dito, Divino tinha um carinho muito especial pela antiga revista Microsistemas, tanto que criou a sua própria revista Microsistemas na internet.

https://revistamicrosistemas.com.br/

Em seu último artigo no site, em 1 de janeiro deste ano de 2025, ele fala um pouco sobre o início de um novo ano, suas preocupações com atividades profissionais, sua saúde que estava debilitada e sobre a pausa que daria no site, para tratar destas suas preocupações. Infelizmente não voltou a escrever em seu amado site.

Um legado que permanece

No mesmo dia de sua morte, Renato Degiovani — veterano da indústria nacional e amigo de décadas — escreveu em suas redes sociais:

“Estou triste. Meu grande amigo, parceiro de criação e ideias de games há mais de quarenta anos, nos deixou hoje. A indústria de jogos BR deve muito a esse cara, que agora vai criar em outro patamar. Estava esperando pela melhora dele, pra contar sobre os novos projetos e para que participasse também. Vai fazer muita falta, meu amigo.”

Divino faria 68 anos no próximo dia 20 de junho. A causa de sua morte não foi divulgada pela família.

Seu conselho para os novos criadores

Em uma de suas últimas declarações públicas, ainda na matéria sobre o Cartabol, Divino deixou uma mensagem que resume muito de sua visão sobre o design de jogos:

“Você faz jogos para os outros e não para você… então, aprenda o que os outros querem.”

É um conselho simples, mas poderoso — vindo de quem viveu a transição do amadorismo romântico para a indústria criativa, sem nunca perder a alma de artista e o olhar curioso de quem está sempre aprendendo.