Sistemas Legados - mainframe    

Em pleno avanço da inteligência artificial, computação em nuvem e automação preditiva, uma antiga classe silenciosa, indispensável e absoluta de sistemas computacionais permanece ativa e indispensável: os sistemas legados. Muitas dessas estruturas tecnológicas, desenvolvidas entre as décadas de 1970 e 1990, ainda operam, com confiabilidade e segurança  os dados de extrema importância em instituições bancárias, governos, infraestruturas críticas e indústrias de base.

Sistemas legados são softwares ou tecnologias que, embora antigos e/ou desatualizados, continuam a ser utilizados por uma organização porque ainda desempenham funções essenciais. O fenômeno da manutenção desses sistemas em empresas financeiras, gestão governamental até mesmo militares e aeroespeciais, não se explica por simples nostalgia, mas por uma única e inestimável razão: confiabilidade, algo extremamente raro nas ferramentas modernas de mercado.

Exemplos não faltam. No Brasil, instituições financeiras como o Banco do Brasil e o Bradesco ainda operam com o banco de dados ADABAS e a linguagem NATURAL, que estão operacionais em mainframes desde os anos 1980. Nos Estados Unidos, o Bank of New York Mellon e o IRS (Receita Federal) mantêm ativos sistemas escritos em COBOL e Assembly, operando com fitas magnéticas e unidades IBM System/360. 

   

Como outros exemplos, temos o sistema clínico VistA, usado no Departamento de Assuntos de Veteranos dos EUA, escrito em MUMPS, e ainda hospedado em servidores DEC/VAX. Dentre os sistemas mais antigos ainda em uso no mundo, o Sabre, que trabalha com de reservas aéreas ainda está ativo, desde os anos 1960.

O Brasil não fica atrás: empresas como a Rumo Logística, a CPTM (Companhia de Trens Metropolitanos) e o Metrô de São Paulo ainda possuem CLPs antigos, redes com cabeamento e protocolos seriais e até mesmo mídias legadas como disquetes e fitas DAT. Na indústria aeronáutica e de defesa, sistemas embarcados ELEBRA são mantidos no hardware original para garantir certificação e confiabilidade.

Substituir esses sistemas não é trivial. Muitos deles integram profundamente a infraestrutura de TO (Tecnologia Operacional). Isso porque, diferentemente do conceito já popularizado de TI, as operações e controles das empresas são muito menos tolerantes a erros, bugs e defeitos. Enquanto um bug de TI no máximo fará um usuário perder um documento de Word ou uma atualização em uma planilha, um bug de TO tem grande potencial destrutivo, desde danos físicos e financeitos maciços, produção parada, perdas de contas bancárias até riscos humanos, como colisões de trens, defeitos aeronauticos e erros graves com potencial de alterar estratégias militares e de defesa. Por isso que os sistemas, suas limitaçoes e bugs precisam ser de fato conhecidos a fundo, não somente como desenvolvimento, mas com anos ou décadas de operação confiável.

O uso destes sistemas de confiabilidade exigem outro componente não menos importante: muito do hardware necessário para a execução desses softwares não tem substitutos modernos diretos.

Os sistemas operacionais que a maioria das pessoas está acostumada são chamados Sistemas Generalistas, como o Windows, Linux e Android. Estes sistemas não são adequados para ambientes de missão crítica, pois fatores como vulnerabilidades de segurança, atualizações automáticas, ausência de certificações técnicas (como DO-178C ou IEC 61508) e excesso de processos não determinísticos os tornam impróprios para tarefas que exigem estabilidade absoluta.

Por isso, sistemas operacionais especializados continuam sendo utilizados em segmentos sensíveis.

Os sistemas operacionais especializados, menos conhecidos até mesmo por profissionais de informática, são os softwares mais amplamente utilizados em equipamentos de missão crítica. Dentre esses sistemas pode-se destacar:

  • INTEGRITY (Green Hills): empregado na aviação e defesa, com certificações rigorosas.
  • VxWorks (Wind River): utilizado por missões da NASA e em sistemas médicos e militares.
  • QNX (BlackBerry): comum em soluções ferroviárias, automotivas e industriais.
  • RTEMS: sistema operacional tempo real utilizado por agências espaciais.
  • SafeRTOS: versão certificada do FreeRTOS, usada em dispositivos críticos.
cpd    
 CPDs ainda existem. Sem eles, seu datacenter não serve para nada    

A preservação digital destes ambientes digitais, muitas vezes bem antigos, não se limita simplesmente a preservar o código. É necessário conservar a documentação técnica, as mídias originais, os protocolos, e até o know-how operacional humano. Neste ponto, o profissional conhecedor dos sistemas legados é bastante valorizado, pois, de fato, é o humano por trás da máquina que mantém tudo funcionando.

    Programador em Cobol ainda é uma das  especialidades em TI mais bem pagas do mundo
     Cobol ainda é uma das especialidades em TI mais bem pagas do mundo

Considerando-se por exemplo o Cobol, sigla de Common Business Oriented Language - Linguagem Comum Orientada para os Negócios, ainda amplamente utilizado na área financeira, a média salarial para Analista Programador Cobol no Brasil pode chegar a R$ 31.539 por mês, segundo o Glassdoor. O profissional também é valorizado fora do Brasil: em países como a Argentina, por exemplo, os salários de programadores Cobol podem variar entre US$12.000 e US$21.000 por ano, segundo o Alcor BPO.

Quanto ao hardware que roda os sistemas legados, são, de fato, o lado mais frágil: a mecânica dos componentes degrada, envelhece, e precisam ser trocados. Os avanços da tecnologia não são gentis com equipamentos antigos: a produção de componentes eletrônicos clássicos está, constantemente, sendo encerrado. Veja recentemente o fim da produção do processador Z80, por exemplo, deixando órfãos não somente entusiastas de equipamentos antigos, mas também muitos sistemas legados que utilizam o Z80. Até existem experiências e tentativas com a emulação, e sistemas como o QEmu são amplamente utilizados nessas tentativas, tornando-se uma estratégia válida, mas requer curadoria atenta para garantir fidelidade histórica e funcional.

A necessidade da preservação duradoura do hardware e do software, assim como a valorização do profissional desses sistemas, mostra que, em tecnologia, o novo não necessariamente é melhor. A estabilidade, compatibilidade e segurança de ambientes legados devem ser valorizadas e compreendidas. A preservação digital, além de um ato de respeito à história e à eficiência comprovada, também é uma importante estratégia de confiabilidade para a continuidade do funcionamento de nossa sociedade.

"Sistemas legados não representam atraso — representam durabilidade técnica. Sua continuidade é, muitas vezes, um tributo à engenharia de longo prazo."

📗 Bibliografia

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SILVA FILHO, J∴ "🧾 Sistemas legados: os velhinhos que sustentam o mundo moderno". Old Bits, a mágica dos 8 bits. São Paulo. 2025. Disponível em: https://www.oldbits.com.br/component/content/article/88-sistemas-legados-por-que-ainda-sustentam-o-mundo-moderno?catid=27. Acesso em: 06 de jun. de 2025.
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SILVA FILHO, J∴ (2025, mai 27). 🧾 Sistemas legados: os velhinhos que sustentam o mundo moderno. Old Bits, a mágica dos 8 bits. Recuperado em junho 06, 2025, em https://www.oldbits.com.br/component/content/article/88-sistemas-legados-por-que-ainda-sustentam-o-mundo-moderno?catid=27.
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