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Se hoje baixar um programa é uma tarefa que leva segundos, durante as décadas de 1980 e 1990 a realidade era completamente diferente.
Em um Brasil com acesso limitado a mídias de armazenamento e com poucos canais de distribuição, as rádios que transmitiam software para TK90X e MSX surgiram como uma solução criativa e tecnicamente ousada. O epicentro desta experiência foi a Rádio USP FM, mas a história envolve muito mais do que apenas um transmissor e um receptor.
📡 Como funcionava o Software via Rádio?
A mecânica era engenhosa, considerando as limitações da tecnologia analógica da época. A Rádio USP FM usava o canal estéreo do sinal FM para embutir os dados. O áudio tradicional permanecia em um canal, enquanto o outro carregava a sequência de tons digitais, codificados de maneira semelhante às fitas cassetes utilizadas para carregar programas nos computadores de 8 bits.
O ouvinte precisava de um demodulador externo, conectado entre o rádio e o computador. Este equipamento, desenvolvido por Alexandre Fejes Neto, fazia a conversão do sinal sonoro em dados compreensíveis pelas máquinas TK90X ou MSX. Mas a coisa não era tão complicada ou exclusiva como se pensa: o ouvinte, em casa, não precisava do demodulador: gravava o som da transmissão em uma fita cassete e depois tocava para o computador. Muito simples!
Um dos marcos foi o programa especial transmitido em julho de 1988, intitulado "Computador FM", parte do projeto Clip Informática. A transmissão incluía softwares simples, como jogos e utilitários, enviados diretamente para os ouvintes em suas casas.
O projeto teve como figura central o engenheiro eletrônico Alexandre Fejes Neto, responsável pela concepção técnica e execução prática. Outro nome citado em fontes da época é Luiz Baggio Neto, colaborador nas transmissões voltadas à acessibilidade, especialmente em projetos como o Interação.
🎙️ O foco no TK90X e MSX
As transmissões dos jogos e programas por rádio FM normalmente eram exclusivas de duas linhas de computadores: TK90X e MSX. Mas por que?
Eu, como usuário do TK2000, lembro da sensação de esquecimento, pouco se encontrava para o TK2000, ou para Apple II, mas na época da informática a vapor, dificilmente se entendia os conceitos por trás de determinadas escolhas. O TK2000, apesar de melhor estruturado e melhor construído, era "filhote de Apple II". Apple II, no Brasil, era extremamente caro, e o TK2000 não ficava muito atrás em preço: quase US$950, o que seria hoje equivalente a cerca de 13 mil reais.
Por outro lado, o TK90X, lançado em 1985 pela Microdigital, era um clone nacional do ZX Spectrum, um dos computadores mais populares da Europa. A popularidade veio de seu custo acessível — cerca de US$ 214 na época — e pela compatibilidade com cerca de 90 a 95% dos softwares desenvolvidos para o Spectrum. Produzido em massa, chegou a alcançar vendas de 2.500 unidades por mês em 1986, com distribuição garantida por uma rede de mais de 700 revendedores em todo o Brasil.
O MSX, por sua vez, era um padrão internacional apoiado por gigantes como Sharp e Gradiente no Brasil. Foram mais de 400 mil unidades comercializadas nacionalmente até o final da década de 1980. Seu diferencial? Uma arquitetura relativamente avançada para a época, mas com um detalhe crucial: o mesmo processador Zilog Z80A, presente também no TK90X.
Essa convergência tecnológica — processador idêntico, armazenamento em fita cassete e linguagens de programação com base no BASIC — fazia com que o desenvolvimento de soluções de transmissão fosse não apenas viável, mas também economicamente justificável. Em outras palavras, as rádios que transmitiam software para TK90X e MSX escolhiam essas plataformas porque eram as únicas com massa crítica suficiente de usuários e com arquitetura técnica favorável à decodificação de áudio via rádio.
Embora essas iniciativas fossem bastante concentradas na Rádio USP FM, relatos não oficiais indicam que radioamadores também experimentaram transmissões semelhantes, mas sempre voltadas a TK90X e MSX, quer nunca para Apple II ou TK2000.
🛠️ Relações Técnicas entre TK90X e MSX: Por que eram as Plataformas Escolhidas?
TK90X | MSX | |
---|---|---|
Processador | Zilog Z80A (3,58 MHz) | Zilog Z80A (3,58 MHz) |
Armazenamento | Fita cassete | Fita cassete / disquete |
Vídeo | 256×192, 15 cores | 256×192, 16 cores (TMS9918) |
Linguagem BASIC | Sinclair BASIC | MSX-BASIC |
📌 A escolha por essas duas plataformas não foi mero acaso. Ambas compartilhavam a arquitetura de 8 bits, usavam o mesmo processador e eram baseadas em armazenamento de dados via áudio. Essa similaridade permitia, por exemplo, que o mesmo método de modulação do sinal pudesse ser usado para os dois computadores, com pequenas adaptações de software.
🔊 Das rádios que transmitiam Software para TK90X e MSX ao rádio digital de hoje
O legado técnico dessas transmissões permanece vivo. A lógica de enviar dados digitais por subportadoras de áudio foi precursora de tecnologias hoje consolidadas nas rádios brasileiras.
- RDS (Radio Data System)
A Rádio USP FM é uma das que utiliza o RDS, transmitindo dados como nome da música e da emissora por uma subportadora de 57 kHz. Uma evolução direta dos experimentos de transporte de dados por áudio.
- Metadados em Streaming
Com a digitalização do rádio, aplicações como o tudoradio.com hoje captam e exibem metadados ao vivo, aproveitando o mesmo conceito de separação de áudio e dados iniciado nas transmissões para TK90X e MSX.
- Sistemas FM Assistivos
A tecnologia também inspirou soluções de acessibilidade. Sistemas FM assistivos, usados em ambientes educacionais, transmitem áudio com alta qualidade diretamente para aparelhos de pessoas com deficiência auditiva — uma clara herança das inovações feitas na Rádio USP FM.
🗂️ Linha do tempo: desde inovação experimental até a aplicação contemporânea
Ano | Evento |
---|---|
1985 | Lançamento do TK90X pela Microdigital |
1988 | Transmissão inaugural do “Computador FM” pela USP FM |
Anos 1990 | Popularização do MSX e expansão de rádio FM com RDS |
2000s | Início dos sistemas FM assistivos no Brasil |
2020s | Uso massivo de metadados em rádio digital e streaming |
🧭 Um legado que continua a gerar impacto
As rádios que transmitiam software para TK90X e MSX marcaram um capítulo singular da história da informática e da radiodifusão no Brasil. Movidas pela necessidade, criatividade e competência técnica, essas iniciativas abriram caminho para formas modernas de transmissão de dados por áudio, que hoje fazem parte de nossa rotina — ainda que poucos saibam de sua origem.
O legado de nomes como Alexandre Fejes Neto e de instituições como a Rádio USP FM permanece não apenas como memória, mas como base técnica de sistemas ainda em uso em 2025.
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